03 março 2015

O que acontece nos bastidores fica nos bastidores, só que nem sempre

Já uma vez falei aqui sobre algumas situações com potencial para a desgraça (ou para nos fazer passar uma valente vergonha, pelo menos) que podem ocorrer num palco. A verdade é que muitas delas começam a desenhar-se antes, pequenos indícios ignorados que acabam por culminar no tradicional palavrão, seguido de um estava-se mesmo a ver.

Mas a questão é precisamente essa. O ver. Muitas vezes está demasiado escuro para isso. Demasiada confusão. Demasiado apertado. Não estamos habituados a bons camarins, espaçosos e bem iluminados com luzes fortes, que queimam bailarinos incautos. Muito menos com espelhos. Já perdi a conta ao número de vezes que saí do backstage ou debaixo de um vão de escada com a roupa vestida ao contrário, do avesso, sem uma meia, sem um cinto ou qualquer outro acessório. E quando se juntam a estas condições apenas poucos minutos para trocar de roupa entre duas actuações, então sim, estamos perante o alerta máximo de calamidade.

Sair a correr do palco. Entrar no cubículo sem luz onde existem mais 20 pessoas em diferentes estágios de nudez, penteados, maquilhagem e exercícios de aquecimento. Encontrar o fato da actuação seguinte no meio de todos os porta-fatos espalhados. Tirar a roupa toda, sapatos, encontrões para aqui e para ali, virar de frente para um cantinho numa tentativa ilusória de privacidade, voltar a vestir, esticar aqui, esticar ali, calçar, mudar de penteado, ouvir alguém gritar "faltam 3 minutos!!". Sair disparada para o WC mais próximo na busca desesperada de um espelho para arranjar melhor o cabelo. Lado a lado com uma companheira de guerra. As duas com o mesmo ar alucinado de quem andou a fumar coisinhas estranhas. Continuar irrequieta a ajeitar o fato. No silêncio frenético ver pelo espelho a outra a passar pelo mesmo. Trocar olhares e desabafar em simultâneo "esta merda encolheu / esticou!!!". Hein? Ouvir da parte dela "olha para isto, vou ficar com as mamas de fora, não sei o que se passa, mas elas não podem ter crescido assim, isto só pode ter encolhido!". Responder "também não estou a perceber o meu rabo, isto está a cair e a fazer fole aqui atrás, vou ficar com o rego à mostra!". Simultaneamente, ver o clarão de compreensão reflectido nos olhos uma da outra. E em poucos segundos, naquele silêncio que precede o disparar de impropérios, ouvir no corredor "UM MINUTOOO!!"

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